O que eu mais gostei de ler em 2017

Ricardo Motti
8 min readJan 8, 2018

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Esse ano eu resolvi participar de um book club. Mas não qualquer book club: esse era específico de ficção científica.

O livro do mês era "Contato", do Carl Sagan, que eu já tinha lido quando era um jovem adolescente sem vida amorosa. Então reli, (achei um saco,) e fui em um pub encontrar os outros membros e discutir a obra.

Olhei em volta e, sem ver ninguém usando orelhas falsas do Spock, deduzi que ninguém ali era membro de book club de ficção científica. Foi então que notei uma escada e perguntei para a mocinha do bar: "Oi, ahn, tem algum espaço lá em cima?"

"Tem. Mas tá tendo um evento."

Sem coragem de olhar nos olhos dela, perguntei, quase sussurrando: "…É o negócio de ficção científica…?"

Era. Meus novos amigos me receberam bem e, depois de duas cervejas, já me sentia parte da turma. As discussões foram boas, apesar de eu ter sido o único que não gostou do livro. Curti a experiência e prometi voltar. Mas não voltei.

Bom, a meta para 2017 era: pelo menos 30 livros no ano, sendo um livro com mais de 500 páginas por mês.

Não rolou ler um livro com mais de 500 páginas por mês. Na verdade, li poucos livros com mais de 450 páginas. Mas foi libertador ter uma meta mais razoável para o ano e, em termos de páginas, acabei lendo quase o mesmo que no ano passado.

Sem maiores delongas: com vocês, o 3.º Prêmio Literário Motti, apresentado por Ricardo Motti, tendo como jurado e ditador supremo Ricardo Motti.

Troféu Farenheit 451

Assim como o ano não teve tantas leituras daquelas meu-deus-nunca-mais-serei-o-mesmo (spoiler), também não teve muitas jesus-cristo-não-aguento-mais-esse-livro.

Mesmo assim, pra manter a tradição, alguns livros terão que ir pra fogueira. Vamos a eles.

3.º lugar: The Book of Tea, Kakuzō Okakura (1906)

Segundo consta, esse é um livro clássico sobre a arte de fazer chá e a relação disso com a cultura japonesa: o ato meditativo de preparar um chá, as conversas enquanto se toma chá etc.

O livro tem lá sua importância histórica e, ok, eu entendo. Mas ler isso foi como preparar um chá, esquecer a xícara, lembrar só quando já esfriou, e daí tomar de uma golada só pra encurtar o sofrimento.

2.º lugar: Animal: The Autobiography of a Female Body, Sara Pascoe (2016)

OK, esse livro não merece ir pra fogueira. É (medianamente) engraçado e até útil se você não teve aulas de biologia na escola ou se você não é pós-graduado em questões de gênero pela Universidade do Facebook.

Como não me sinto público-alvo, me pareceu cheio de obviedades. Mas pode ser um bom presente para sua prima de 14 anos ou namorado neanderthal.

Campeão: Marvel Comics: The Untold Story, Sean Howe, 2012

O que eu achei que era: um livro que contava a história da Marvel para interessados casuais como eu, que leu uns gibis aos 13 anos e viu uns filmes aos 33 anos.

O que era: uma bíblia de 500 páginas de fofocas sobre cada uma das brigas entre cada desenhista e cada roteirista sobre quem era o real criador de cada personagem obscuro.

Exceto se você for um fanboy Marvel, só invista nesse livro se você estiver precisando de bastante papel pra acender uma churrasqueira.

Troféu Metamorfose

Os livros de não-ficção que me ensinaram algo, mudaram minha visão de mundo e me deixaram 4% diferente:

3.º lugar: An Astronaut’s Guide to Life on Earth, Chris Hadfield (2013)

Se você vê o copo meio cheio, é a história de um canadense que improvavelmente virou astronauta, ficou um tempão na Estação Espacial e gravou aquele vídeo tocando Space Oddity que você talvez tenha visto no YouTube. Dá pra aprender sobre o processo de virar astronauta, o que os astronautas fazem quando não estão no espaço, como fazer faxina na Estação Espacial e outras bobeiras interessantes.

Se você vê o copo meio vazio, ok, talvez seja um livro de auto-ajuda.

Mas é bem divertido de ler e não vou negar que gostei até dos conselhos dele. Tá, confesso: até tentei implementar alguns dos conselhos. E ainda me empolgou pra ler mais livros sobre espaço como o também ótimo Apollo 8: The Thrilling Story of the First Mission to the Moon.

2.º lugar: Homo Deus: A Brief History of Tomorrow, Yuval Noah Harari (2015)

Sendo sincero, Sapiens talvez tenha sido o livro que mais mudou meu jeito de ver o mundo. Mesmo assim, ele não ganhou o Prêmio Literário Motti quando eu li, no ano passado. Por quê?

Primeiro, porque eu sou o ditador supremo dessa bagaça.

Segundo, porque Sapiens (e também Homo Deus) são tão necessários que eles nem deviam estar aqui: deviam estar na lista de livros obrigatórios do Ministério da Educação ou do ENEM ou de sei lá quem manda os alunos lerem hoje em dia. Eu certamente aprendi mais com Sapiens do que nas aulas de história do Colégio Palmares.

Dito isso, só porque o livro é ótimo, está em toda banca de jornal e o cara do seu lado no metrô está lendo agora, não precisamos pagar de hipster. Homo Deus é tão bom quanto — e ainda mais apavorante—que Sapiens.

Portanto, Yuval Noah Harari, chegou a hora de ser reconhecido pelo maior prêmio da literatura mundial. Receba aqui seu Motti.

Campeão: The Gatekeepers: How the White House Chiefs of Staff Define Every Presidency, Chris Wipple (2017)

Se tem algo que me fascina é a habilidade de certas pessoas de trabalhar sob pressão com várias coisas ao mesmo tempo sem cometer assassinatos. É uma habilidade que eu não tenho.

Esse livro conta a história de cada chief of staff desde o Nixon até o Obama, mostrando como cada um escolhia organizar as coisas e o tempo, as habilidades e defeitos, como lidavam com os presidentes e com escândalos, vitórias, eleições e brigas internas.

(Se você não se formou em política norte-americana assistindo West Wing nem fez pós-graduação com House of Cards, o chief of staff é basicamente o braço-direito do presidente.)

O livro é legal de ler, tem histórias fantásticas e também é bom pra você se organizar melhor no trabalho. Eu saí convencido que ser chief of staff é 40% mais difícil que ser presidente, e 850% mais difícil que ser publicitário. Ufa.

Medalhas Extraordinárias 2018

Alguns livros não merecem um Troféu Motti, mas são dignos de nota e merecem uma medalhinha. Vamos a eles.

Medalha "Nossa, Como Você Digita Rápido"
Em novembro de 2016 o Trump é eleito. Em abril de 2017, é publicado Pussy, Howard Jacobson (2017), uma fábula sobre um jovem príncipe mimado, que se acha esperto mas é burro. O livro tem uma ilustração de um bebê Trump de fralda na capa e infinitas referências sobre tweets e polêmicas. Ok, o livro não é muito legal, mas temos que reconhecer o timing.

Medalha "Esse Ano eu Saio do Facebook"
Dizem que "The Circle", o filme, estrelando Tom Hanks, é um lixo. Eu não vi. Mas The Circle, Dave Eggers (2013), o livro, é bem divertido e bem assustador. São quase 500 páginas mas passa voando.

Medalha "O Livro é Melhor que o Filme"
Eu não tinha visto "O Quarto de Jack", mas achei Room, Emma Donoghue (2010) numa biblioteca e resolvi ler. Incrível. Só não ganhou Troféu Motti porque os primeiros colocados deram um show. Na semana seguinte vi o filme e fiquei decepcionado com o tanto de coisa que deixaram de fora.

Medalha “Aquele Livro do Polvo que Eu Li Ano Passado”
Se o ano passado as estrelas da não-ficção foram os polvos, esse ano são os passarinhos. The Genius of Birds, Jennifer Ackerman (2016) não é tão empolgante quanto o livro dos polvos, mas foi bem agradável de ler. E me fez comprar um binóculos e me inscrever num curso de birdwatching. Ou seja, envelheci 30 anos graças a esse livro. Bola pra frente.

Troféu Dom Casmurro

Rufem os tambores pra o grande prêmio da noite. Os livros de ficção que mais me encantaram em 2017 foram:

3.º lugar: Pssica, Edyr Augusto (2015)

Digamos assim: se Pssica fosse um filme passando na HBO, a lista de avisos antes do filme ia ter uns quatro minutos.

É a história de uma menina que foi raptada em Belém e vendida como escrava branca para casas de prostituição. O livro é absurdamente violento. Sem exagero: em 96 páginas, desconfio que tem uns 12 estupros. Morre gente toda hora. Precisa ter estômago.

Mas tem uma coisa meio Reservoir Dogs, de fazer algo quase poético usando violência. Os personagens são ambíguos e bem construídos. É corajoso. É inteligente. Não dá pra largar. Recomendo muitíssimo.

2.º lugar: Homesick for Another World, Ottessa Moshfegh (2017)

Em regra, eu não curto ler contos. Todo aquele trabalho de entender o universo e conhecer os personagens e daí acaba. Mas, porque a Srta. Moshfegh é mais engraçada, mais malvada, mais freestyle e escreve melhor que todo mundo, essa coletânea de contos é imperdível.

Meu primeiro contato com ela foi na edição de ficção da VICE de 2016. (Inclusive você pode ler o conto publicado aqui, mas só depois que acabar de ler o que eu tô escrevendo.)

Minha musa do humor negro, com histórias sobre professoras alcóolatras e frases maravilhosas como “My poor wife. I never knew how little I loved her until she was dead.” Se eu pudesse fazer um download pro meu cérebro do estilo de um único autor que li esse ano, eu escolheria ela.

Campeão: Seveneves, Neal Stephenson (2015)

Bom, quem me recomendou esse foi o Obama.

O livro começa com a Lua explodindo sem ninguém saber o motivo. Depois de uns dias, a galera se liga que isso vai fazer chover pedaços da Lua sobre a Terra e, bom, destruir tudo e todos. Daí começa uma corrida maluca pra salvar a humanidade, transformando a Estação Espacial numa Arca de Noé e selecionando quem vai se salvar. E daí por diante.

Tem a parte da correria a la filme de ação, mas tem questões filosóficas também, mas sem esfregar na sua cara. Se bobear, merecia até o Troféu Metamorfose ali de cima, porque definitivamente me deixou 4% diferente. É genial.

Tudo que eu quero em 2018 é alguém com paciência pra ler esse maravilhoso livro de quase 900 páginas pra gente ir tomar um chopp juntos e ficar falando sobre isso.

E em 2018? A meta é: pelo menos 36 livros, tentando manter uma média de 300 páginas por livro. Assim me estimula a ler coisas mais compridas mas me permite ler coisas curtinhas sem achar que tô roubando no jogo.

Por fim, pô, quer ler mais em 2018? Entra no Goodreads. Sério. Você coloca metas.Você vê o que seus amigos estão lendo. E, no fim do ano, eles fazem uma retrospectiva bonitona com o que você leu no ano.

1.º Prêmio Literário Motti, com o que eu mais gostei de ler em 2015: aqui.
2.º Prêmio Literário Motti, com o que eu mais gostei de ler em 2016:
aqui.

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